Novo IOF entra em vigor em meio à disputa pelo mercado de câmbio. Quem ganha com isso?

Multiplicação de produtos de câmbio e disparidades tributárias ampliam discussões sobre o aumento da
concorrência no mercado brasileiro.

Por Beatriz Pacheco, Valor Investe — São Paulo
04/01/2024 06h00 · Atualizado

Desde terça-feira, 2 de janeiro, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em operações de câmbio no Brasil caiu para 4,38%, um ponto percentual abaixo dos 5,38% que incidiram sobre as transações em 2023. A alíquota seguirá caindo um ponto por ano até o dia 2 de janeiro de 2028, quando será extinta, de acordo com o compromisso firmado no decreto nº 11.153, de julho de 2022. Esta é uma exigência da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para a entrada do país na entidade.

Mas o prazo para a redução gradual do IOF, a um ponto por ano até 2028, pode parecer distante demais para as operadoras brasileiras de câmbio.

A Cotação, empresa do grupo Rendimento, por exemplo, decidiu subsidiar parte do IOF nas operações de câmbio. A campanha promocional foi iniciada em setembro do ano passado e segue em vigor sem previsão para encerramento, segundo a companhia

Durante a campanha, a empresa reduziu a alíquota de IOF, de 4,38% para 1,1% sobre o valor das transações realizadas na carga e/ou recarga do cartão pré-pago para viagens internacionais (Visa Travel Money).

Essa diferença está saindo do “bolso” da própria empresa, que tem bancado a
margem entre o imposto e a alíquota que tem sido cobrada de clientes.

Ações como esta não são uma grande novidade no segmento, mas, ao atacar o IOF, a estratégia de marketing da Cotação desvenda uma questão mais profunda sobre esse mercado: o crescimento da concorrência (gringa, especificamente) no segmento de câmbio no Brasil.

Pela regulamentação do Banco Central (BC), enquanto o encargo sobre as transações realizadas no débito e no crédito de cartões internacionais (associadas a contas no Brasil) é de 4,38%, em empresas que fazem as operações de câmbio fora (remessas), essa alíquota cai para 1,1%.

A repórter Nathália Larghi já testou as plataformas de câmbio que oferecem serviços com as melhores
taxas e escreveu sobre essa experiência neste post do blog dela aqui no Valor Investe. Nessa investida
da Nath, fica nítido que as condições mais atraentes para consumidores brasileiros hoje estão nas mãos
de empresas gringas. E isso não é ao acaso.


A título de comparação, um exercício: partindo do cenário do dia 3 de janeiro, quando o dólar turismo rondava os R$ 5,12, e igualando as cotações entre concorrentes (o que não necessariamente acontece na realidade), a diferença apenas em IOF entre as operações (de empresas que fazem câmbio fora e as nacionais) é de R$ 0,17 por dólar.

Ou seja, R$ 10 mil compram em torno de US$ 1.867,60 em um produto de plataforma nacional que opere com IOF de 4,38%, enquanto em plataformas internacionais esses mesmos R$ 10 mil compram US$ 1.931,64 (IOF de 1,1%). Uma diferença de US$ 64 – ou de R$ 327,88 – entre as duas transações considerado apenas o imposto pago.

Consideradas as compras de valores maiores, a escolha do consumidor tende a ficar ainda mais óbvia. Tanto que a Cotação atribui em boa parte à campanha de “corte do IOF” os resultados de 2023. Entre janeiro e novembro, a receita da companhia cresceu 50%, e as operações aumentaram também 50% contra o mesmo período do ano anterior.


Quem ganha com isso?

Com a multiplicação de produtos nesse mercado, a vantagem é dos consumidores, que tendem a se beneficiar do surgimento de soluções e de produtos mais eficientes, além de propostas financeiramente mais atraentes para câmbio.


“Nesses últimos dois anos, algumas dessas instituições [estrangeiras] ganharam corpo no mercado nacional via parcerias e sociedades com bancos relevantes no país. Elas se posicionaram estrategicamente não só para oferecer a abertura de conta corrente no exterior, mas também com produtos de cartão internacional”, afirmou Alexandre Fialho, diretor do Banco Rendimento e da Cotação.

Ao subsidiar 3,28 pontos percentuais da alíquota de IOF sobre as operações de câmbio no cartão, a Cotação está tentando acirrar a disputa com essas fintechs e bancos digitais que estão crescendo no Brasil.

Parece o melhor dos mundos. Pelo menos até a páginas dois.

“Essa campanha nasceu, fundamentalmente, em função desse custo diferenciado, com o qual estamos sofrendo nos últimos tempos”, disse Fialho. “Independentemente do esforço que fizermos para melhorar nossos custos para o cliente, meu concorrente já sai na frente com uma alíquota bem menor.”
Partindo dessa lógica, o executivo questiona se o mercado sustentará a qualidade do serviço ao cliente
enquanto houver a lacuna entre concorrentes.

Uma empresa com um produto que tem custo menor que outro semelhante – ou que é vendido com a
mesma finalidade – poderia reduzir sua preocupação com a qualidade no longo prazo. Isso porque esse
apelo de preço é tamanho que geraria essa distorção”, finalizou o diretor da operadora brasileira.

Sobre a disparidade de condições, a Associação Brasileira de Câmbio (Abracam), que representa as empresas brasileiras, alega ter “um diálogo constante com o Banco Central e o tema do IOF surge naturalmente no âmbito das discussões de modelos de negócios”, segundo a presidente-executiva da entidade, Kelly Gallego Massaro, em posicionamento enviado ao Valor Investe.


“Temos destacado que a situação requer atenção porque, embora seja resultado de modelos de negócios
diferentes, tem impacto no mercado, com possibilidades de arbitragem tributária”, acrescentou a executiva.


As novas líderes do mercado de câmbio

De acordo com o ranking de operações de câmbio das instituições financeiras, apurado pelo BC, a britânica Wise já lidera o mercado brasileiro no que tange o número de transferências de valores do e para contas no exterior.


Entre janeiro e novembro, quase 19 milhões de transações foram realizadas pela plataforma britânica. No segundo lugar, a Western Union fez pouco mais de 4 milhões de transferências de valores de/para contas internacionais no mesmo período, aos US$ 304,55 em média por operação.


Mas o valor médio por transferência na Wise (US$ 417,82) é significativamente menor que concorrentes como o C6 Bank, na 14ª posição do ranking em número de operações. O valor médio por transferência no banco digital é 57 vezes maior (US$ 24.933) que o da fintech britânica.


Já a Nomad, outra plataforma que vem crescendo no mercado, atua como correspondente bancário do Banco Ourinvest (11ª posição) para realizar as operações de câmbio no aplicativo. Por isso, não é possível analisar os números da operação de forma isolada.


Nesta relação do BC, a Cotação aparece na 13ª posição, com mais de 738 mil operações de transferência, no ano até agosto, e valor médio por operação de US$ 845,65.


Ranking de instituições de câmbio no Brasil em número de operações*

Nenhuma delas, no entanto, se compara aos bancos em termos de valor médio por operação.


Instituições digitais e plataformas de câmbio tendem a transacionar valores menores, porque dialogam
com públicos diferentes dos de grandes bancos e corretoras, e que usam esse serviço para fins distintos.


Enquanto o primeiro grupo de empresas atende as demandas por transferências entre pessoas físicas ou de troca de valores para viagens curtas, no segundo, há mais correntistas buscando formar patrimônio e
fazer investimentos no exterior.

As disputas pelo mercado de câmbio, portanto, ocorrem em âmbitos diferentes.


A Nath também já explicou aqui como funciona cada uma dessas empresas e o que está por trás dessas
estruturas. Mesmo o grupo brasileiro do C6 Bank, para operar as contas em dólar e em euro, tem um
outro banco registrado nas Ilhas Cayman.


Por que há diferença na alíquota de IOF?

A começar que a Cotação oferece um cartão internacional pré-pago. Não há uma conta corrente associada, e o saldo disponível para gastos é somente aquele que o cliente comprou (em dólares, euros ou libras) na instituição.

É como uma operação de câmbio comum, mas, em vez de carregar o dinheiro físico, o valor fica disponível no cartão para compras no débito ou para saques no exterior.

Para essas transações, a alíquota é considerada como a de débito, e sobre cada recarga no cartão incide o IOF de 4,38% (o mesmo que para as operações de crédito), alíquota em vigor desde 2 de janeiro de 2024.

Já as empresas com operações no exterior fazem remessas internacionais. Na prática, enviam o dinheiro para fora e fazem o câmbio lá – às vezes, dentro do sistema da própria instituição financeira. Nesta transação de câmbio, o dinheiro é transferido da conta do cliente daqui para uma conta de mesma titularidade no exterior (essa conta estrangeira é um produto oferecido pela fintech ou banco digital).

Para operações de remessa internacional, o IOF pode ser de 0,38% se o indivíduo envia o dinheiro para a conta de um terceiro lá fora, ou de 1,1% quando envia para sua própria conta no exterior.

Como o IOF incide sobre o valor cobrado na conversão do real para o dólar no momento da transferência para a conta internacional, a alíquota é menor.